Funeral no Espaço
Otho entrou no foco dos refletores do picadeiro, curvou-se e subiu ligeiro até a plataforma do mastro mais alto. Pousou por alguns instantes e se deixou despencar sem aviso, o que sempre assustava as plateias. Grag recostou sua enorme massa corporal contra o mastro assim que Otho mergulhou.
Os marcianos soltaram um grito de horror ao verem que o cordame onde Otho deveria se sustentar lhe fugiu da mão. Na verdade, o androide já havia planejado o salto contando com isso. Fingiu um esforço extra do salto para conseguir segurar na corda. Por pouco ele não consegue pegá-la, o que foi acompanhado de um retumbante 'Oh!' vindo das arquibancadas, externalizando o alívio que sentiam pelo seu acrobata favorito. Jur Nugat correu até ele esbaforido.
-- Pelos deuses de Saturno, você quase perdeu a corda! gritou.
-- Foi culpa do Homem Colossal! Otho acusou furioso, apontando para Grag. Ele empurrou o mastro de propósito!
-- Está louco, Grag retorquiu. Não repita tamanha asneira ou te chuto para fora do picadeiro agora!
-- Você vai o quê? perguntou Otho com voz esganiçada. Mas você é um terrano cabeçudo mesmo, vou dar um laço nos seus membros!
-- Vou te quebrar em dois por isso! rugiu Grag. Vou acabar contigo! ameaçou, partindo pesado para cima de Otho.
O androide se esquivou para o lado com o corpo mole, pegou uma estaca de amarração do pavilhão e, girando-a nas mãos, atacou Grag. Os golpes pareciam pesados, mas eram tão meticulosamente calculados que Grag mal as sentiu. Na visão da plateia, Otho estava tentando matar o 'terrano' a pauladas.
-- Fique parado e lute como homem! berrou Grag, as mãos agarrando o ar em vez do androide.
Otho golpeou Grag na cabeça com a estaca e a assistência acreditou ser o golpe de morte.
-- Separe-os antes que se matem! Jur Nugat gritava para seus assistentes de palco.
A arena estava em alvoroço. No meio dos ataques, por entre os dentes, Grag dirigia a encenação.
-- Assim vai bem, Agora deixe eu te agarrar.
-- Certo, me segure e eu finjo que está me matando, assentiu Otho.
Grag conseguiu ver que a confusão trouxe Ul Quorn e o Auscultador para a arena. Isso o animou. Ele e Otho batiam 'furiosamente' nos mastros e se chocavam com as jaulas e praticáveis na arena. Os assistentes do circo entraram para apartar a dupla, mas Grag os afastou com empurrões. Aos berros, ele continuou com as investidas.
-- O Colosso ficou maluco! um homem disse. Cuidado!
Otho deu uma escorregada de propósito de jeito que Grag conseguiu agarrar seu braço.
-- Agora, eu te quebro ao meio!
-- Socorro! Ele vai me matar, gritou Otho, fingindo lutar com Grag. Otho pode ver de relance a marciana N'rala conversando excitada com Quorn. Ela apareceu de repente e saíram todos apressadamente.
-- Tem algo acontecendo, Grag! Otho ciciou. N'rala está aqui. Joan disse que N'rala estava à bordo da Cometa, será que escapou? Ela avisou Quorn de alguma coisa. Melhor pararmos por aqui e ver onde está o chefe!
-- Certo. Finja escapulir e fugir e eu te sigo para fora.
Otho fingiu se livrar do aperto e saiu correndo por entre a multidão. O Homem Colossal disparou atrás dele. A Polícia Interplanetária, que foi chamada, tentou contê-lo, mas Grag passou à toda por eles. O circo estava em polvorosa. Grag acabou achando Otho, tenso.
-- Não encontro o chefe! Vamos atrás do Simon.
Correram para o camarim da trupe de 'artistas' esquisitos; todos haviam saído com exceção da Máquina Pensante, esquecida em um canto. O Cérebro falou de dentro do cilindro.
-- Grag! Otho! aconteceu algo! Quorn chegou apressado e deu ordens para todos embarcarem no iate. Nem me levaram. Estava nervoso.
Naquele instante ouviu-se o rugir dos motores e olhando pela porta, viram a Rissman decolar por entre as luas marcianas.
-- Quorn fugiu! O que será que aconteceu? Onde está o chefe?
-- Vai ver está na Cometa com a Joan e o Ezra. Sugeriu Simon. Melhor irmos para lá já! Me tirem desse tubo idiota! Quorn largou do circo por agora, não precisamos desses disfarces mais.
Grag retirou a caixa transparente do Cérebro do cilindro. Os três Homens do Futuro saíram do burburinho do lugar e rumaram para as terras secas no Norte, fora de Korak. Encontraram a Cometa no local previamente combinado, reluzindo o brilho das luas prateadas. Ezra Gurney e Joan, com um hematoma na testa, vieram encontrá-los.
-- Graças aos deuses do Espaço! Ezra agradeceu arfando. Estávamos indo para o circo. N'rala fugiu, e já deve ter passado para Quorn que Futuro esteve revistando a nave.
-- Por todos os cometas! bradou Otho. O chefe estava revistando a Rissman do Quorn? Então ele foi descoberto e sequestrado. O iate decolou há alguns minutos!
O silêncio pesou por cinco segundos.
-- Isso é ruim, murmurou Ezra. O Capitão Futuro bem no colo de Quorn, e ele estava com a quinta gema!
-- Que se dane aquela gema! reclamou Otho. É com o chefe que estou preocupado. Quorn vai se regalar em matá-lo do jeito que nos odeia, sabe-se lá por quê.
-- N'rala fingiu estar passando mal do golpe nervoso venusiano aplicado por Curtis para deixá-la inconsciente, daí eu afrouxei as amarras. Ela me golpeou e escapou enquanto Ezra estava de guarda do lado de fora, explicou Joan.
A voz fria de Simon Wright soou calculista.
-- Estamos perdendo tempo aqui. Temos que seguir Quorn e libertar Curtis. Para onde estavam indo?
-- Eu sei, animou Ezra. Futuro me disse que as outras duas gemas estão no Planeta dos Prazeres, cujo dono é aquele canalha gorducho do Bubas Uum. É para lá que ele vai.
-- O Planeta dos Prazeres? Aquele asteroide fora do sistema legal? repetiu Simon. Não fica muito longe daqui. Se traçarmos um curso direto na Cometa, devemos conseguir ultrapassar o iate do Quorn e chegamos antes dele.
-- Claro! gritou Grag. Quem disse que um mero iate Rissman é mais rápido que a Cometa?
-- O que estamos esperando, então? disse Otho. Vamos logo!
A Cometa decolou da planície, fez uma curva por cima da cidade de Korak e alçou para o espaço. Os motores desenharam rastros de atmosfera vaporizada enquanto os cíclotrons rugiam à plena potência.
Grag segurava os controles. Aceleraram em direção ao cinturão de asteroides na órbita entre Marte e Júpiter. Otho se despiu do traje de Ultra-acrobata e rendeu Grag para ele poder fazer o mesmo.
-- Que bom é tirar essa pele molenga, resmungou. Da próxima vez me arrume uma pele metálica que não é à prova de cortes e hematomas.
Ihk, o animalzinho de Grag, que estranhara o disfarce do dono, pulou alegremente sobre seu ombro.
A Cometa, se aproximava do destino, voando por entre meteoros e planetoides que tornavam erma esta parte do espaço. Manobrando em direção ao Planeta dos Prazeres, Otho usou os sensores para tentar localizar o iate espacial de Quorn. Soltou um gritou de aviso ao conseguir.
Tem algo ali na frente, mas não é uma nave. É um corpo! Melhor pararmos para investigar. Vai ver o chefe conseguiu pegar o Quorn.
Grag parou a nave. Com um raio trator, Otho pescou o corpo congelado flutuando e o trouxe até a escotilha.
-- Deus meu! Ezra Gurney berrou com horror. É o corpo do Capitão Futuro!
-- O chefe, murmurou Otho sem tirar os olhos do corpo. O chefe... morto!
Os olhos cinzas de Curtis os mirava vazio. O astronauta trajava o macacão de seda sintética e o anel-emblema no dedo, mas seu peito trazia um ferimento profundo e chamuscado.
-- Ele morreu, disse o Cérebro incrédulo.
-- Mas o mestre não pode morrer! berrou Grag. Podemos revivê-lo, Simon!
-- Nada traz de volta à vida um corpo congelado no vácuo do espaço, mesmo que não tenha uma ferida destas. Quorn o matou e o lançou ao vácuo.
Joan Randall agonizava numa expressão muda. Ezra falava com os olhos embotados.
-- Não posso acreditar, gaguejou. O Cap. Futuro, o maior herói do espaço... que passou por mais perigos... que qualquer outro homem...
Ficaram em silêncio, não havia nada a dizer. A carreira mais incrível da história do Sistema findara. Suas mentes não conseguiam processar o fato. Simon foi quem falou primeiro tentando recompor a todos.
-- Há algo que ainda temos que fazer, soou severo. Quorn matou Curtis e nós vamos vingá-lo como nunca no Sistema alguém já o fez.
-- Vou despedaçá-lo átomo por átomo! Otho prometeu.
-- O Mestre não pode estar morto. Grag sentou-se estupefato.
Os braços oculares de Simon olhavam para o rosto inerte do homem dentro da escotilha. Sua voz saiu fria e curta.
-- Antes de tudo, temos que trazer o corpo de Curtis para a nave.
-- Sim. Um funeral no espaço para o Capitão Futuro seria uma honraria, disse Ezra.
-- Concordo, disse o Cérebro. Leve a Cometa para aquele asteroide ali na frente, Grag.
O mundinho só tinha poucos quilômetros de diâmetro. Era uma rocha nua, sem ar e sem vida. Dentro de seus trajes espaciais, os Homens do Futuro, Ezra e Joan saíram da nave e acomodaram o corpo em uma fissura da rocha. A face de Curtis parecia lhes dizer adeus. Otho retirou o anel de seu dedo.
Voltaram para a Cometa e se afastaram do planetoide. Grag virou-se para Otho, de pé de frente para o painel de controle da arma de prótons da nave.
-- Agora, comandou o robô.
Otho mirou o jato de prótons de potência aterradora para cima do asteroide onde jazia o amigo. A rocha encandeceu-se como uma brasa gigantesca, consumindo a rocha e o cadáver numa pira funerária da magnitude de um pequeno sol.
-- Em todos os mundos, verão somente uma nova estrela, falou Simon. Eles não saberão que é a passagem de um campeão. Direto para o Planeta dos Prazeres, Grag. nada nos resta que a vingança agora.
(continua... capítulo 14: No Meio do Cinturão)