Anos atrás, o pai de Newton, Roger Newton, um brilhante cientista terrano fugiu para a lua com sua jovem esposa. Com eles também foi Simon Wright, o Cérebro Vivo e hoje um dos membros dos Homens do Futuro. Fugiram das artimanhas de Victor Corvo que cobiçava os segredos científicos de Roger Newton.
No laboratório construído nos subterrâneos da cratera Tycho, na Lua, o cientista refugiado e o Cérebro trabalharam na criação de vida sintética inteligente: Grag, o robô, e Otho, o homem sintético. No mesmo ano, Curt nascia.
Mas Victor Corvo os seguiu até a Lua, matou os pais de Curt antes de ser ele próprio morto por Otho e Grag.
Curt Newton foi então criado nesse estranho lar pelo Cérebro, pelo robô e pelo androide. O Cérebro, estupendo cientista na época, educou Curt ao ponto de o garoto ultrapassar a própria genialidade de seu tutor. Grag, o robô, o mais forte dos seres, desenvolveu o físico de Curt, ao passo que Otho, o androide, exemplo de agilidade e perspicácia, ensinou Curt as manhas da presteza.
Foi alcançando a maturidade que Curt começou a carreira como Capitão Futuro.
Alguém que utilizava a ciência com propósitos criminosos havia assassinado seus pais. Curt decidiu então usar sua inigualável educação e habilidades numa cruzada implacável contra todos os marginais daquele porte, devotando sua luta contra todos aqueles que atrapalharem o destino dos povos do sistema. Daí lhe veio tomar a alcunha de Capitão Futuro.
Junto com o Cérebro, o robô e o androide, seus tutores e guardiães, Newton levou ao espaço sua amarga luta contra as forças do mal. Sempre que algum perigo ao sistema se avizinhava, o Presidente do Governo Sistêmico chamava o Capitão Futuro através de um sinal luminoso ligado a partir do Polo Norte da Terra.
Curt Newton relembrou as lutas e dos perigos que já havia levado ele e sua equipe a todos os mundos do sistema. Ainda ouviu a voz rouca do MC finalizando seu discurso fantasioso.
-- E quanto aos Homens do Futuro, o Cérebro Vivo foi o primeiro deles. Havia antes vivido como Simon Wright, o grande cientista terrano. Na beira da morte, seu cérebro foi retirado do corpo moribundo e colocado em um contêiner especial. Lá, mergulhado em líquido seroso, ele ainda vive, pensa e conduz experimentos apesar de descorporificado.
-- Ele acertou essa aí, Curt disse a Joan.
-- O segundo do time foi o robô de metal. Grag é mais forte que qualquer outro ser vivente. Além de inteligente, é capaz de fazer qualquer um de vocês em pedaços.
-- Que bom que o Grag não está aqui para ouvir essa, ou esse aí não estaria vivo para contar, murmurou Otho, e se endireitou atento à informação seguinte.
-- O terceiro Homem do Futuro, que dizem ser um androide...
-- Ele vai, com certeza, mencionar as coisas que já fiz, Otho sussurrou com descuidada modéstia.
-- ... é o mais fraco do grupo. Ele é tipo um boneco de borracha que os demais arrastam à tira colo.
-- Curt caiu em gargalhada.
Otho, com os olhos faiscando de ódio, soltou uma exclamação por entre os dentes.
-- Boneco? Vou estrangular esse cara!
-- Contenha seus foguetes, Otho, Curt ordenou ainda rindo e segurando o braço do androide raivoso. Ainda bem que o Grag não ouviu essa também.
-- Agora, amigos, vou lhes mostrar alguns itens dos incríveis casos em que o Capitão Futuro se envolveu, dizia o apresentador. Há itens da briga contra o Imperador Espacial de Júpiter, de sua luta com Doutor Zarro em Plutão, e...
-- Vamos, não queremos ver esses suvenires falsos, disse Curt pegando Joan pelo braço. Melhor irmos enquanto ainda há tempo de impedir Otho de matar alguém.
O androide ainda não tinha se acalmado quando chegaram a uma praça apinhada de gente e muito iluminada. Para aplacar sua fúria, Curt apontou para um grupo bem grande de pavilhões de metal acima dos quais brilhava um luminoso.
CIRCO INTERPLANETÁRIO
ÚLTIMA SEMANA NA TERRA
-- Vamos, Otho, quem sabe o circo te faça bem, sugeriu Curt.
Otho espumava chegando aos pavilhões.
-- Vamos entrar e ver as atrações, convidou Curt.
O espetáculo se desenrolava em um ambiente engenhosamente compacto, cercado de arquibancadas de metal e um palco. Sob a luz suave dos refletores Krypton, uma das atrações dos 'Nove Mundos' se apresentava.
-- O Homem Camaleão! Um apresentador terrano berrou. Observem como ele muda senhores, Olhem!
O Homem Camaleão era um saturniano comum, magro e de pele azul. Mas ao passar em frente à estampa de um quadrado verde na cortina multicolorida do palco, sua pele se tornou verde, de súbito combinando com o tom verde. Movendo-se em direção à um pedaço vermelho da cortina, e a pele avermelhou-se também.
-- Como é que ele faz isso? perguntou Joan.
Curt percebeu o truque de pronto.
-- Ele está sendo irradiado para alterar a pigmentação cutânea, assim como raios actínicos alteram para o marrom uma pele branca. A pele dele foi preparada quimicamente.
Ao Homem Camaleão, se seguiu um netuniano cadavérico de cabeça pontuda, pele cinzenta e possuindo ouvidos enormes em forma de cones.
-- O Auscultador é capaz de ouvir uma folha cair de uma árvore a 10 km de distância, gabou-se o narrador. Cochichem à vontade com seus vizinhos, bem baixo mesmo, e ele vai saber o que dizem.
Várias pessoas na plateia experimentaram e se espantaram com a habilidade do Auscultador de detectar o menor dos sons.
-- Os ouvidos dele foram aumentados e tornados supersensíveis através de cirurgia, chefe, declarou Otho.
Curt assentiu.
-- Deve ser, embora somente um mestre fisiologista o conseguiria com perfeição.
-- E agora, antes do espetáculo principal começar, gostaríamos de apresentar-lhes nossa maior atração, anunciou o apresentador. Todos vocês já ouviram falar dos poderes científicos dos antigos marcianos, as poderosas dinastias que pereceram bem antes de qualquer terrano viajar pelo espaço. Vocês verão um homem que descobriu os maiores segredos destes produtores de maravilhas. O Mágico de Marte!
-- O mestre embusteiro, escarneceu Otho.
Futuro se empertigou ao ver o homem que entrou no palco segurando dois aparelhos estranhos. Ele tinha a pele vermelha dos marcianos, mas cabelos negros, olhos inteligentes também negros que perscrutaram a plateia com desprezo velado sob uma fisionomia sem marcas.
-- Mas é o Doutor Ul Quorn! exclamou Curt.
-- Ul Quorn? repetiu Joan. Quem é?
-- Foi um cientista brilhante nos Nove Mundos, disse Curt pensativo. Ele é meio terrano, um quarto marciano e um quarto venusiano. Ocupava um posto alto no Instituto de Ciências Interplanetárias antes de ser preso por um ano em Cerberus depois que descobriram alguns de seus experimentos medonhos. Se tornou um pária entre a classe científica. Me entristece ver um cientista brilhante como Quorn vivendo de truques baratos e vestido como tal. Suponho que seja assim que vive agora.
-- Olha só o que ele está fazendo! Otho atentou.
Uma assistente havia trazido um roedor terrano peludo e apavorado, que Ul Quorn colocou sobre um prato suspenso. Ao mirar um dos instrumentos para o pequeno animal, o mesmo atravessou o prato de metal sólido! Quorn mostrou o prato para membros da primeira fileira de assentos e pediu que certificassem sua solidez.
-- Demônios do espaço, esse Quorn está aprontando! Jurou Otho. É o mesmo efeito desmaterializador usado pelos jovianos e que nos deu tanto trabalho no caso de Júpiter.
-- É, Curt franziu o cenho. Os arqueólogos acreditam que os jovianos recolheram este também, junto com muitos outros de sua própria antiguidade, como os antigos marcianos.
-- Será possível que este homem tenha realmente encontrado a tecnologia perdida dos marcianos? Joan perguntou.
-- Gostaria de saber, desejou Curt. Olhem lá.
Ul Quorn, com feições inexpressivas, apareceu com uma muda de planta e a estava submetendo a uma luz verde pulsante. No mesmo instante a muda intumesceu e virou uma moitinha que logo se avolumou em um arbusto sem raízes. Um grito de surpresa correu pela audiência.
-- Isto não é mágica, declarou Curt. É a técnica de crescimento acelerado dos antigos marcianos. Quorn achou algo de verdade!
Otho estava analisando as feições do mágico.
-- Há algo familiar e assustador nesse rosto dele, disse. Uma coisa que, apesar de nunca tê-lo visto antes, acho que já nos encontramos, e não éramos amigos.
Joan se endireitou de repente. Os ouvidos de Curt seguiram o zumbido do diminuto instrumento do bolso dela. vinha de um monitor portátil, modelo usado pelos agentes da Polícia Planetária. Ela se aproximou. Curt ouviu a voz metálica do pequeno televisor.
-- Agente Randall? Aqui fala o Quartel General. Conhecia o Professor Kenneth Lester, o arqueólogo?
-- Sim, nos encontramos em Júpiter, Joan cochichou no transmissor. Estava envolvido com o caso do Imperador Espacial.
-- Lester foi assassinado em seu escritório no Instituto. Já que o conhecia pessoalmente, poderia ajudar nas investigações. Sei que está com um serviço independente, estaria disposta?
-- Claro, Joan concordou. Estarei no Instituto em vinte minutos.
-- Vou com você, Curt voluntariou-se.
-- Mas você está de férias! Joan protestou.
-- Lester e eu nos tornamos amigos em Júpiter, Futuro lembrou. Gostaria de ver seu assassino levado à justiça.
Vinte minutos depois, Curt e Otho tentaram entrar com Joan no escritório levemente iluminado do arqueólogo assassinado, mas um agente da Polícia Planetária em uniforme escuro barrou-lhes o caminho.
-- Somente a agente Randall, disse secamente. Somente membros da polícia estão permitidos.
Curt não respondeu e retirou de dentro do cinto um anel onde uma joia resplandecia rodeada de nove outras girando lentamente.
-- Capitão Futuro! arfou o agente. Me desculpe. Não sabia. Podem passar.
Lá dentro, Curt viu Halk Anders, o comandante da polícia com cara de buldogue, e o Marechal Ezra Gurney, cujo rosto idoso e enrugado se iluminou ao vê-lo.
-- Futuro! saldou o veterano. Muito bom que está aqui! Pensei que estivesse de férias fora do sistema.
-- Não, Ezra. Estive por aqui mesmo na Terra. Acabei de saber de Lester e vim com Joan.
-- Capitão Futuro trabalhando em um simples assassinato? suspeitou o comandante.
-- Lester era meu amigo, Curt lembrou com indignação. Lembra dele, não é, Ezra?
Ezra assentiu.
-- Sujeito admirável, e olhe para ele agora.
Curt se virou. Sobre o piso estendia-se o horror. O que antes havia sido Kenneth Lester, era agora uma massa espumante de carne cujos tecidos se devoravam.
-- Jamais vi nada mais horrível, veio a voz grossa do comandante. Quem poderia ter feito isso?
-- Não sei exatamente o que foi usado, mas sei o que é, Curt Newton comentou sombrio. É o antigo desintegrador marciano. Ele destrói a cooperação entre as células do corpo. Elas param de funcionar em conjunto e acabam se devorando. O mecanismo que permite essa destruição é desconhecido, segredo da tecnologia marciana antiga .
Ele olhava para Otho ao falar. Leu nos olhos verdes do androide a mesma suspeita que lhe cruzou a mente.
-- Tecnologia marciana antiga? murmurou Otho. Tem alguma coisa estranha nessa coincidência - se é que é coincidência mesmo!
(continua> capítulo 3: a terceira gema espacial)