Ul Quorn vinha na direção deles como se passeasse pelas imediações. Não se viam o Auscultador e tampouco o dispositivo cônico que quase matou Curt. Quorn envergava um sorriso no belo rosto encarnado. Se expressou com humor frio e tentou soar aprazível.
-- Deixe-me parabenizá-lo pela escapada, Kovo. Eu vi tudo. Muita sorte a sua escapar à morte.
Apesar da raiva, Curt Newton sorriu amarelo. Ul Quorn apelava para o cúmulo da audácia. Sabia muito bem que Quorn suspeitava de sua identidade, e sabia que Quorn sabia disso também. Mesmo assim, o mestiço o encarou sem medo.
-- Os tigres saíram um pouco do controle hoje na arena, Curt admitiu a falsa negligência. Mas eu sempre consigo retomar as rédeas.
Ele fazia uso de um dialeto venusiano falado pelos habitantes dos charcos embora Quorn não seria enganado tão facilmente assim. Quorn sorriu.
-- Essa carreira que escolheu é perigosa, Kovo. Jamais pensou que um dia possa tentar a morte muito de perto?
Curt percebeu a ameaça na pergunta e sorriu de volta.
-- Domar feras é meu ganha-pão. Já subjuguei várias em minha vida.
-- Não duvido, murmurou Quorn. Mas não existe sempre o perigo de um dia se ver frente a frente com uma que não consiga?
Mais uma ameaça velada. Futuro soltou uma resposta à altura.
-- Decerto que sim, Doutor Quorn, admitiu animado. Posso muito bem topar com uma fera muito ardilosa para minha destreza. Contudo, domei todas as que já existem nesse sistema, e ainda busco por esta a que se refere.
Uma sombra passou tênue pelos olhos negros e provocantes do mestiço, mas logo se esvaiu...
-- Talvez você ainda não tenha topado com um antagonista de seu calibre, disse devagar. Talvez seja mais sábio, quando encontrá-lo, se abster de usar força física e...
Uma babel de gritos e altercações o interrompeu. Vinham diretamente do camarim dos membros da trupe de Quorn. O Lobo Lunar veio correndo direto para Quorn com os olhos brilhando de medo.
-- Um larápio foi pego em sua sala privativa, Doutor Quorn! O Auscultador o pegou.
Quorn cravou os olhos suspeitos em Futuro e saiu logo atrás do Lobo.
-- O que vamos fazer, Simon? disse ansioso. Otho deve ter sido pego.
Simon Wright ficara parado em silêncio dentro do cilindro enquanto Curt e Quorn se estranhavam. E agora respondeu com voz metálica abafada.
-- Aquele androide idiota é mestre em se meter em apuros.
-- Tenho que ir lá, declarou Futuro ansioso. Pode ser que Quorn queira puni-lo com aquele desintegrador que usou em Lester.
-- Ele não usou a arma antiga com você hoje, lembrou o Cérebro.
-- Mas isso foi por que ele não quer se expor usando-a em público, com testemunhas. Ele queria deixar a entender que foram os tigres que me atacaram. Otho está em perigo mesmo! Espere aqui, Simon. Você não deve ser visto falando e rolando por aí.
Capitão Futuro seguiu o vozerio que vinha do camarim de Quorn.
Todos os esquisitos rodeavam Quorn e a marciana N'rala. De rosto fechado e ameaçador, Quorn confrontava o ganimedeano abusado sob a mira das pistolas atômicas empunhadas pelo Auscultador e o Homem Camaleão.
-- Você é o novo acrobata do circo, Quorn pressionou. Por que se encontra em minha propriedade?
-- Não precisam esquentar os foguetes, Otho respondeu arrogante. Sou novo por aqui e sem querer acabei aqui dentro.
-- Ele mente, Doutor, acusou o Auscultador. Quando voltava para deixar o instrumento que me mandou guardar, ouvi esta criatura cascavilhando seus pertences.
-- Um espião, então? Quorn pronunciou com calma mortífera. É claro, já deveria saber. O Ultra Acrobata, o único ser no sistema capaz de realizar feitos impossíveis.
-- Foram bons eles, não foram? perguntou Otho calmamente. Com certeza meu show agradou muito à plateia hoje.
-- Um exagero de bom, replicou Quorn. Você conseguiu entregar sua identidade também.
Os olhos de N'rala cintilaram em fúria felina.
-- Quer dizer... que ele é um deles? indagou. Então não há tempo a perder.
Do meio do círculo formado pelos membros esquisitos apareceu a figura do Homem Colossal.
-- O senhor quer que eu leve este intruso daqui e o parta ao meio, chefe? berrou Grag.
-- Não, disse Quorn. Há outras maneiras.
Curt achou por bem intervir antes que Otho e Grag precipitassem uma crise.
Ele abriu passagem por entre os monstrengos. Ul Quorn se virou abruptamente.
-- Você? exclamou. E sorriu. Deveria saber...
-- Soube que o Ultra Acrobata estava com problemas, Curt se intrometeu. Ele é amigo meu, sabe? É claro que ele só entrou aqui por acaso. Eu o deixaria ir, se fosse você.
-- Tenho certeza que deixaria, não é mesmo? murmurou Quorn. E caso eu não queira?
A mão de Curt coçou o punho da arma de prótons guardada no bolso da jaqueta. Seus olhos fulminavam Quorn com faíscas.
-- Caso não queira, falou lentamente, sua consciência pode não o deixar dormir.
O círculo de esquisitos se abriu com a tensão como se uma parede eletrificada surgisse entre os dois homens. Os olhos de N'rala espelhavam ódio.
-- Você vai deixá-lo levar o espião? ela instigou o mestiço.
-- Claro que sim, disse Curt com uma risada zombeteira. É isso ou tentar me deter.
Curt provocava Quorn abertamente pois esperava que ele aceitasse o desafio e sacasse a arma, o que daria a Curt a chance de enfrentá-lo em luta justa e de uma vez por todas. No fundo temia que o hábil mestiço fosse mais rápido que ele em sacar. Mas Quorn sorriu enigmático.
-- Você correria o risco de uma luta aberta, não é? dirigiu-se ao Capitão. Não vai funcionar. Não vou arriscar perder uma luta dessas com você. Não vou sacar minha arma. Sei muito bem que como campeão da lei, você não me forçará a isso.
Curt fingiu espanto, embora entendesse perfeitamente.
-- Vamos, pediu Otho, estes caras estão aparvalhados, eu acho.
Saindo da sala, Curt ouviu Grag falar alto.
-- Chefe, alguém perdeu minha máquina. Se eu souber quem foi, eu vou quebrar ao meio!
-- Vá procurá-la e não me aborreça com isso, dispensou-o Quorn. Tenho mais em que pensar.
Curt e Otho caminharam até estarem bem longe do pavilhão de Quorn, receando as habilidades do Auscultador. Só se falaram ao se aproximarem da passagem onde o cilindro havia se estacionado.
-- Você bagunçou as órbitas lá dentro, Otho. Como é que conseguiu ser visto?
-- Foi aquele maldito orelhudo! jurou o androide. O cara só pode ser muito esquisito mesmo. Tive todo o cuidado para não fazer um clique sequer, e mesmo assim ele deu o alarme.
-- Você não encontrou as gemas, encontrou?
-- Não, elas não estão na sala. Olhei tudo. O safado deve carregá-las consigo. Vou pegá-lo de surpresa e arrancá-las dele. Vai ser fácil.
-- Deixa pra lá, ordenou Curt. Ele não as carrega com ele. A primeira coisa que fiz quando cheguei foi escaneá-lo na surdina e me certifiquei que não as leva junto ao corpo.
Ao chegarem na passagem onde Simon esperava, Grag os alcançou correndo. No escuro, Curt sussurrou para os três Homens do Futuro.
-- Não devemos ser vistos juntos para não levantar suspeitas, Simon. Quorn sabe que sou o Capitão Futuro e Otho é o Ultra Acrobata, mas ele não suspeita de vocês dois. Então... as quatro gemas espaciais não estão com Quorn e tampouco em seu camarim, portanto, só pode estar na nave deles, o modelo Rissman que os transporta durante a turnê do circo.
-- Nossa melhor oportunidade será, então, quando Grag e eu estivermos lá dentro a caminho da próxima parada que é Marte, previu o Cérebro.
-- O circo vai partir dentro de uma semana para Marte, para Korak, complementou Curt. Sim, é melhor não tentarmos mais nada até que estejam indo para lá. Grag, obedeça às ordens de Simon.
-- Claro, mestre, bradou o robô obediente. Mas temo por você. Quorn vai usar o desintegrador ou achar outro meio para tirá-lo do caminho.
-- Eu e Otho vamos cuidar um do outro. Creio eu, que Quorn não vá empreender nada contra nós até chegar a Korak. Vai ficar preocupado em obter as gemas restantes em solo marciano.
-- Eu ouvi, por acaso, N'rala trocar umas palavras com ele. O que eu entendi foi que os membros do culto fanático, Os Filhos das Luas Irmãs, estão encarregados de conseguir a informação do paradeiro das outras pedras.
-- Então é isso! soltou Curt. O salafrário do Quorn está usando os marcianos fanáticos! Não podemos deixar isso acontecer e permitir que o segredo de Thuro Thuun, qualquer que seja ele, caia nas mãos desse enjeitado inescrupuloso.
-- Mas que inferno! Por que não pegamos essa corja toda de conspiradores e enfiamos todos na Prisão, desabafou Otho furioso.
-- E lá podemos provar um fio de cabelo sequer contra eles? Curt retorquiu igualmente fulo. Não, concorda? Pelo menos até realmente encontrarmos as quatro gemas em sua posse. Como disse Simon, nossa melhor chance será agora quando eles partirem para Marte e ele e Grag conseguirem vasculhar a nave. Vou avisar a Ezra e Joan para que rastreiem o circo da Cometa. Melhor não nos encontrar mais até chegarmos à Marte. Tente achar as gemas, Simon.
-- Certo, filho, assentiu com voz metálica. E você, se cuide, pois Quorn vai com certeza vir para cima de você cedo ou tarde.
Contudo, na semana que se passou, Quorn não atentou contra a vida de Curt, e nem Otho se sentiu acuado. Na noite da véspera de viajarem, Futuro estava apreensivo.
-- Quorn tem algo na manga contra nós, murmurou ao observar o movimento de vai e vem dos membros da companhia a carregar os pertences no bojo do iate ligeiro Rissman. O que eu não daria para saber o que é!
-- Vamos acabar com essas artimanhas dele em Marte, jurou Otho.
As naves do circo começaram a levantar voo com os foguetes trovejando. Os potentes cargueiros Cruh-Cholo se arremessaram ao céu primeiro, seguidos pela Rissman de Quorn. Curt observou tudo com esperança ao partir também para Marte.
(continua... capítulo 10: Os Filhos das Luas Irmãs)
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